A Vida, as Doenças e a Morte nas Colônias Italianas do Rio Grande do Sul

  

Mercado da Praça Dante Alighieri na colônia Caxias 
na década 1890

A vida dos imigrantes italianos pioneiros no Rio Grande do Sul no final do século XIX era difícil e muitas vezes perigosa. Quando adoeciam, eles muitas vezes não tinham acesso a médicos ou hospitais, pois esses, quase inexistentes,  geralmente ficavam em cidades muito distantes da colônia onde o imigrante vivia, assim tinham que se virar sozinhos, contando com seus próprios meios para enfrentar as doenças.

Os imigrantes italianos, com algumas raras excessões, quase não tinham conhecimentos médicos e confiavam em remédios caseiros para tratar as doenças. Eles usavam plantas medicinais e outras técnicas de cura tradicionais para aliviar os sintomas e combater a doença. Alguns desses remédios caseiros eram baseados em tradições antigas da Itália, enquanto outros eram baseados em plantas e ervas encontradas na região do Rio Grande do Sul, práticas aprendidas com os negros, índios e caboclos brasileiros que viviam nas matas entorno da colônia.

Muito poucos imigrantes italianos tinham conhecimentos básicos de medicina, aprendidos através de experiências passadas ou de amigos e familiares que tinham adquirido algum conhecimento quando ainda na Itália. Eram geralmente os curadores, giustaossi e parteiras dessas comunidades. Alguns deles tinham aprendido com os pais e o dom, como chamavam, na verdade uma profissão passava de geração em geração como na tera de origem na Itália. Eles também tinham um profundo conhecimento de seus próprios corpos e prestavam atenção às mudanças de comportamento da sua saúde e muitas vezes sabiam quando algo estava errado. Quando ficavam doentes, recorriam a esses conhecimentos para tentar curar a si mesmos ou ajudar seus familiares.

No entanto, quando as doenças eram muito graves, os imigrantes italianos tinham que buscar ajuda fora da comunidade. Muitas vezes, isso significava viajar longas distâncias em cidades maiores para chegar a um médico ou hospital. Para muitos imigrantes, isso era um desafio, pois eles não tinham dinheiro suficiente para pagar pelos serviços médicos ou a viagem.

Nesses casos, os imigrantes italianos muitas vezes contavam com a ajuda de outras pessoas da comunidade. Os vizinhos se uniam para ajudar a transportar os doentes para os médicos ou hospitais mais próximos. Às vezes, eles até mesmo criavam um fundo comunitário para ajudar a pagar as despesas médicas.

Além disso, os imigrantes italianos muitas vezes dependiam de suas próprias habilidades para tratar os doentes. Eles tinham que ser criativos e encontrar soluções para os problemas de saúde. Por exemplo, em casos de ferimentos ou cortes, eles usavam plantas medicinais e outros remédios caseiros para aliviar a dor e ajudar a curar a ferida.

Para os imigrantes italianos, a morte era uma parte inevitável da vida. Quando alguém ficava muito doente, eles sabiam que a morte poderia estar próxima. Muitas vezes, a família e a comunidade se reuniam em torno do doente para oferecer conforto e apoio. Eles cantavam hinos e oravam juntos, pedindo a Deus por cura e proteção.

Quando a morte chegava, os imigrantes italianos tinham seus próprios rituais e tradições para lidar com a perda. Eles faziam o velório na própria casa e preparavam o corpo para o enterro. A comunidade se reunia para prestar homenagem ao falecido, cantando hinos e orando juntos. O corpo era então levado para a igreja local para uma missa de funeral e, em seguida, era enterrado no cemitério da comunidade.

Para os imigrantes italianos, a morte era uma oportunidade para reunir a comunidade e reforçar os laços entre as famílias. Eles acreditavam que a vida após a morte era uma continuação da vida terrena, e que os falecidos estavam em paz e ainda faziam parte da comunidade.

No entanto, a falta de assistência médica adequada significava que muitas doenças acabavam sendo fatais para os imigrantes italianos pioneiros. As condições de vida na época eram precárias, com falta de saneamento básico, falta de água potável e moradias precárias. Isso levava a um maior risco de infecções e doenças, especialmente em comunidades rurais isoladas como eram as colônias italianas no Rio Grande do Sul.

As doenças mais comuns na época eram a malária, a febre amarela, a varíola e a cólera. Muitas vezes, essas doenças eram transmitidas por mosquitos, ratos ou outros animais. A malária, por exemplo, era transmitida por mosquitos e era comum em áreas onde havia muitos pântanos e áreas úmidas.

Os imigrantes italianos também enfrentavam doenças relacionadas ao trabalho, como ferimentos e fraturas causadas por ferramentas agrícolas ou dores nas costas e problemas respiratórios causados pelo trabalho duro nos campos.

No entanto, mesmo com todas essas dificuldades, os imigrantes italianos pioneiros no Rio Grande do Sul continuaram a trabalhar duro e a construir uma vida melhor para suas famílias. Eles eram resilientes e criativos, encontrando maneiras de superar os desafios que enfrentavam todos os dias.

Eles produziam seus próprios alimentos, criavam animais para o leite e carne, construíam suas próprias casas e plantavam suas próprias hortas. Eles eram hábeis em todas as áreas da vida rural, desde a agricultura até a carpintaria e marcenaria, e tinham um profundo respeito pela terra e pelos recursos naturais.

A religião também desempenhava um papel importante na vida dos imigrantes italianos pioneiros. A grande maioria era de católicos e dependiam da fé e da igreja para encontrar conforto e orientação. No entanto, a falta de padres na região significava que eles não tinham acesso regular aos sacramentos, como a comunhão e a confissão.

Em muitos locais, a comunidade se unia para realizar missas e outros serviços religiosos, com a ajuda de padres leigos, mas isso não era sempre possível. Os imigrantes italianos também encontravam consolo na leitura da Bíblia e na oração, e muitas vezes realizavam serviços religiosos em casa.

Em resumo, a vida dos imigrantes italianos pioneiros no Rio Grande do Sul no final do século XIX era difícil e perigosa, especialmente quando se tratava de lidar com doenças e falta de assistência médica. No entanto, eles eram resilientes e encontravam maneiras criativas de enfrentar esses desafios, dependendo da ajuda de suas comunidades e de seus próprios conhecimentos e habilidades. Eles construíram uma vida melhor para suas famílias, baseada em sua habilidade para produzir seus próprios alimentos e recursos, e encontraram conforto e orientação na religião, apesar da falta de padres e recursos religiosos adequados.

A vida dos imigrantes italianos pioneiros no Rio Grande do Sul pode parecer difícil e distante da realidade moderna, mas seus esforços e sacrifícios contribuíram significativamente para a construção da cultura e da sociedade do estado. A presença italiana é vista e sentida até hoje em muitos aspectos da vida no Rio Grande do Sul, desde a arquitetura e a gastronomia até as tradições culturais e a religião.

Hoje, o estado conta com uma infraestrutura médica muito mais avançada e acessível do que a que existia na época dos imigrantes italianos pioneiros. No entanto, muitas comunidades rurais ainda enfrentam desafios quando se trata de acesso a cuidados médicos de qualidade, especialmente em regiões mais remotas. Ainda assim, os imigrantes italianos pioneiros nos deixaram um legado de resiliência, determinação e solidariedade que continua a inspirar gerações até hoje.

É importante lembrar que as histórias dos imigrantes italianos pioneiros no Rio Grande do Sul são apenas uma parte do mosaico da imigração no Brasil. Muitos outros grupos étnicos e culturais deixaram suas marcas no país, contribuindo para a diversidade e a riqueza da cultura brasileira.

A imigração é um processo complexo e muitas vezes doloroso, mas também pode ser uma oportunidade para começar de novo e construir uma vida melhor. Os imigrantes italianos pioneiros no Rio Grande do Sul são um exemplo disso, enfrentando desafios inimagináveis ​​e construindo uma vida nova e vibrante em uma terra inóspita e distante.

Eles deixaram suas casas e famílias em busca de uma vida melhor, enfrentando dificuldades e obstáculos ao longo do caminho. No entanto, eles também encontraram apoio e solidariedade em suas comunidades e, através de sua força e determinação, criaram uma nova vida para si mesmos e para suas famílias.

A história dos imigrantes italianos pioneiros no Rio Grande do Sul é uma história de perseverança, resiliência e coragem. É uma história que merece ser contada e lembrada, não apenas como um exemplo da luta dos imigrantes no Brasil, mas como uma lição de como podemos encontrar forças em tempos difíceis e construir um futuro melhor para nós mesmos e para os outros.

Texto 
Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS

A Antiga História do Veneto: desvendando suas raízes milenares

                  





A região que hoje é o Vêneto já estava habitada em tempos pré-históricos, inicialmente um assentamento dos Euganei, que foi ocupada pelos vênetos na era proto-histórica.

Tito Livio, natural de Pádua, inicia sua monumental História de Roma com o mito de Antenore, o qual fugindo de Tróia destruída e em chamas, liderando um grupo de Troianos e Eneti, um povo aliado da Paflagônia, chegaram ao atual Golfo de Veneza, uma terra que se estende entre os Alpes e o mar Adriático, depois de terem expulsado os Euganei. Com esse povo se estabeleceram e juntos serão chamados de Veneti.

O próprio Antenore teria sido o fundador de Pádua. De acordo com uma lenda semelhante, Diomedes teria fundado Adria enquanto Clodio teria fundado Chioggia. Muitas cidades importantes do Vêneto como Concordia, Oderzo - que estão entre as mais antigas, já existiam no 9º e 8º século a.C. - Este, Treviso, Belluno, Altino, Vicenza e talvez Verona, a ele também devem a sua fundação.

O primeiro registro histórico onde consta a presença dos vênetos encontra-se na Estela, da Isola Vicentina, onde se ver escrita a palavra Venetkens, um adjetivo derivado do nome da sua própria população.

A proveniência anatólica dos Veneti do Adriático não é aceita por todos os autores antigos e ainda é objeto de discussão nos dias de hoje. Fontes antigas atribuem a existência de várias vertentes para a etnia veneta, desde a Bretanha, à Lusácia, entre a Alemanha e a Polônia, a Epiro na Grécia, à Anatólia.

Vários topônimos estariam ligados à etnia Veneta (por exemplo, Vindelicia, região correspondente à atual Baviera, Vindebona – atual Viena) e aos nomes atribuídos a povos de origem eslava em várias línguas européias.

Segundo alguns estudiosos, essas seriam evidências de uma única civilização indo-européia que se estendeu do Báltico ao Adriático, atribuível aos chamados povos dos Campos de Urna, uma cultura arqueológica da Idade do Bronze Tardia na Europa Central. Este nome deriva do costume que tinham de incinerar os mortos e de colocar suas cinzas nas urnas que então eram enterradas nos campos.

O processo de romanização de Venetia ocorreu de forma gradual e sem traumas ou conquistas, visto que os vênetos e romanos eram povos aliados, habitantes nas fronteiras do Império e para os Romanos eram úteis como uma espécie de barreira para conter invasões de outros povos provindos dos Alpes. Gradativamente os vênetos foram sendo assimilados pela grande potência romana.

As relações político e militares com os romanos tiveram início no século III a.C. - em 225-222 os Venetos e os Cenomani formaram uma aliança militar com Roma contra os Insubres, os Boii e os Gesati, proporcionando segundo Políbio um contingente de 20.000 homens.

Os Gali serão derrotados na histórica batalha de Clastidium em 222. Em 181 a.C. a passagem por livre expontânea vontade da colônia latina de Aquileia para o domínio de Roma reforçou ainda mais as tradicionais relações de colaboração entre os Veneti e os Romanos.

Aquileia foi construída no limite do território dos Veneti; de fato, nenhuma colônia romana foi criada no território do aliado veneto. Embora toda a região tenha sido colocada sob o regime provincial, na chamada Província da Gália Cisalpina, a romanização das elites locais continuou.

Após a Guerra em 89 a.C. Gnaeus Pompeius Strabo promoveu a Lex Pompeia de Transpadanis. Esta lei concedeu ao Ius Latii, o direito do latim aos centros autóctones do Vêneto. Entre as comunidades que puderam desfrutar desse privilégio estavam Verona, Vicenza, Pádua, Feltre e Belluno, além de outras. 

A integração plena das comunidades vênetas com o mundo romano ocorreu em 49 a.C. com a concessão, feita pelo imperador Júlio César, do Plenum Ius, que era a plena cidadania romana aos Venetos.

Na Era Augusta, o território veneto foi unificado e recebeu reconhecimento oficial com a criação da Regio X Venetia et Histria. A maior cidade era Aquileia, embora o conceito de "capital regional" fosse estranho ao pensamento institucional do Império. 

Posteriormente o imperador Diocleciano a transformou em Provincia Venetiae et Histriae, mantendo seus limites territoriais praticamente inalterados.

Nos primeiros séculos d.C. o processo de cristianização do Vêneto teve início. O centro de difusão da nova religião foi Aquileia, a metrópole de Veneza dentro da lagoa, onde o cristianismo provavelmente chegou por mar.

Segundo a tradição, foi São Marcos Evangelista quem fundou a Igreja de Aquileia, consagrando bispo São Ermagora, posteriormente tornando-se mártir no governo de Nero. Ele também teria enviado o grego Prosdocimo, mais tarde consagrado Santo, para evangelizar Pádua, Asolo, Vicenza, Treviso, Altino e Este.

Uma comunidade cristã da África romana teria contribuído para a evangelização de Verona. Também africano é San Zeno, padroeiro da cidade.



A História por Trás dos Sobrenomes: como surgiram e evoluíram ao longo do tempo



                                             



Já estamos acostumados, nascemos com ele e durante a vida em alguns poderão surgir até a curiosidade de saber o que ele significa e ainda de investigar a sua procedência. Entretanto, a maioria das pessoas nunca pensa que os sobrenomes nem sempre foram usados durante a evolução da civilização.

A sua origem é muito antiga e remonta ao período em que o ser humano passou a viver em uma sociedade organizada. Sobrenome quer dizer o segundo nome, e começou a ser usado para se diferenciar os membros dos diferentes grupos familiares do aglomerado humano em viviam. As primeiras tentativas nesse sentido e que se assemelham aos atuais sobrenomes, partiram dos Etruscos, povo com uma civilização muito desenvolvida que vivia na península italiana banhada pelo mar Tirreno, na altura da atual Toscana. Mas, foram os romanos que, ao copiarem dos etruscos a estrutura dos três elementos tradicionais dos sobrenomes, o difundiram para o mundo moderno. Em italiano o sobrenome é conhecido como cognome e o nome de uma pessoa era formado por três elementos principais, com diferentes funções para o identificar: Prenomen, Nomen e Cognomen. 

Para exemplificar, vejamos o nome romano Caius Julius Caesar, conhecido tribuno e general da história de Roma. Neste famoso nome composto por três elementos, Caius é o praenomen, que equivale ao nosso nome de batismo; Julius é o nomen da gens ou família Giulia, onde gens eram as várias famílias unidas pelo mesmo laços sanguíneos; Caesar é o cognomen, como que um apelido. Outros exemplos: Marcus Tullius Cicero, onde Marcus é o prenomen, Tulluis a tribo ou gens Tullia e Cicero a família. Quintus Honoratius Flaccus, Cais Cornelius Tacitus, Caius Plinius Secondus. Outros com mais elementos: Marcus Porcius Cato Uticensis, Marcus é o prenomen, Porcius é o nome, Cato o cognome e Uticensis o agomen = natural de Utica (na África). O agnomen era um elemento distintivo a mais no nome completo um cidadão. As vezes esse elemento era atribuído por decisão do próprio indivíduo, outras vezes não. Usava-se para distinguir uma pessoa de outro homônimo de época passada. Assim, Marcus Porcius Cato Censorius, que viveu no século III a.C., recebeu a posteriori o agnomen Censorius (de Censor) para distingui-lo de um homônimo que viveu dois séculos antes, na época de Júlio César do século I a.C.

Um nome bem conhecido é o do imperador Caligula, filho do general romano Germanicus: Caius Caesar Germanicus Caligula, onde o termo Caligula deriva da pequena cáliga (sandalinhas) que quando então menino usava. Caliga era a sandália usada pelos legionários romanos

Apesar do termo, era o nomen que mais se aproximava ao sobrenome moderno. 

Esse sistema de três elementos, usado para identificar m indivíduo somente era adotado pelas classes mais privilegiadas, como os patrícios e os membros da elite romana. A plebe, ou seja o povo comum, usava outros sistemas, chamados de patronímicos e matronímicos. Assim dizia-se fulano ou fulana, filho ou filha de sicrano ou sicrana, semelhante aos até hoje usados pelos árabes e judeus, com os termos ibn e ben, que em ambas línguas quer dizer filho. 

Esta forma de identificar as pessoas com três elementos não teve sequência devido a queda do Império Romano, em 476 d.C., ao qual se seguiu um caos social e principalmente pelas invasões de outros povos que trouxeram diferentes usos, costumes e tradições. Na Idade Média (entre 476 e 1453) passou-se a usar somente o nome de batismo para designar uma pessoa. Mas, a repetição dos nomes começou a ser muito frequente, causando muita confusão o que criou a necessidade de se estabelecer outra modalidade para nominar as pessoas já a partir do século VIII. Foi nesse período em que começaram a aparecer os primeiros sobrenomes italianos modernos. A partir dessa época usava-se citar o nome do pai para distinguir uma pessoa de outra: Paulus filius Philippi (Paulo filho de Felipe) ou Paulus filius quondam Philippi. A tradução seria Paulo filho do senhor Felipi

Séculos mais tarde, nos IX e X séculos, durante os períodos feudal e comunal, com a consolidação dos burgos e cidades, surgiu a necessidade de diferenciar ainda mais os indivíduos, e assim voltou a discussão o antigo sistema romano. As pessoas passaram a adotar o segundo nome, onde cognome significa com nome, com formas obtidas de nomes pessoais, apelidos que se referiam a características físicas, morais, profissão, lugar de origem, lugar de moradia e assim por diante. Assim primeiramente acrescentaram ao nome, a proveniência do individuo (toponímico) Paulus de Verona, Alipertus de Tarvisio. Também o de ou di passou a De ou Di. 

A massificação do uso do sobrenome ocorreu após as determinações do Concílio de Trento, ocorrido nesta cidade no ano de 1564, que tornava imutável, obrigatório e transmissível o sobrenome. Este sistema viria evitar os casamentos e uniões consanguíneas, mas, também facilitaria a cobrança de impostos.



Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS